Calvinismo e a Imaculada Conceição de Maria.

Calvinismo e a Imaculada Conceição de Maria.

A doutrina da predestinação de Calvino e a vertente calvinista supralapsariana – com ressalvas - possuem elementos essenciais fundamentais que ajudam a entender o Dogma da Imaculada Conceição de Maria.
Vejamos o que Calvino entende por predestinação: “Chamamos predestinação ao eterno decreto de Deus pelo qual houve em si por determinado que acerca de cada homem quisesse acontecer. Pois, não são criados todos iguais em igual condição; pelo contrário, a uns é preordenada a vida eterna, a outros a eterna danação. Portanto, como criado foi cada qual para um ou outro desses dois fins, assim o dizemos predestinados ou para a vida, ou para a morte” (Instituas, III.21.5).
Analisemos parte desta fala de Calvino. Primeiro ele diz: “Chamamos predestinação ao eterno decreto de Deus pelo qual houve em si por determinado que acerca de cada homem quisesse acontecer” Ou seja, Calvino acredita que Deus predetermina certas coisas aos homens.
Em seguida diz: “Pois, não são criados todos iguais em igual condição” em outras palavras, uns possuem certos privilégios e outros não. Diz ainda: pelo contrário, a uns é preordenada a vida eterna, a outros a eterna danação.
Vejamos agora o que nos ensina a Confissão de Westminster no cap. 3 sobre a doutrina da predestinação ou da eleição diz: “Assim como Deus destinou os eleitos para a glória, assim também, pelo eterno propósito de sua vontade, preordenou todos os meios conducentes a esse fim”. Também diz: “Segundo seu eterno e imutável propósito, e segundo o santo conselho e beneplácito de sua vontade, antes que o mundo fosse criado, Deus escolheu em Cristo, para a glória eterna, os homens que são predestinados para a vida”.
Observe-se o que é dito: “Deus escolheu em Cristo, para a glória eterna, os homens que são predestinados para a vida” e “preordenou todos os meios conducentes a esse fim”. Com ressalva a ideia de que Deus predestina alguém a morte, pois a Igreja Católica condena esta ideia, estas afirmações são de total compatibilidade para com o Dogma da Imaculada Conceição de Maria.
São Pio IX na bula Ineffabilis Deus, ao proclamar o dogma da Imaculada Conceição diz: “por um mesmo decreto eterno Deus predestinou Jesus a filiação divina natural, imensamente superior à filiação divina adotiva [cabida a nós], e Maria a ser Mãe de Deus; porque a predestinação eterna de Cristo influi não somente sobre a Encarnação, mas sobre as circunstâncias em que se deveria realizar, em que temo e lugar”. Ou seja, por um mesmo decreto, Jesus foi predestinado a ser Filho do Altíssimo e Maria a ser Mãe de Deus.  
A predestinação de Maria para ser Mãe de Deus é de total compatibilidade para com a afirmação de Westminster de que “Deus escolheu em Cristo, para a glória eterna, os homens que são predestinados para a vida”. É de total acordo com a ideia de Calvino sobre a predestinação ser o “decreto de Deus pelo qual houve em si por determinado que acerca de cada homem quisesse acontecer”. Maria foi escolhida/ predestinada em Cristo, para a glória eterna, por isso é Imaculada e pelo decreto divino foi predeterminado ser ela Mãe de Deus.
A doutrina calvinista ainda ensina que na ordem do decreto divino quanto a predestinação: “Deus envia o Espírito Santo para aplicar a Redenção obtida por Cristo, no coração dos eleitos”. O Padre Garrigou-Lagrange comentando o dogma ensina que: “É em vista desta maternidade divina que Maria é Imaculada Conceição. Preservada da mancha original pelos méritos futuros de seu Filho; ela foi resgatada por ele tão perfeitamente quanto possível; não curada, mas preservada da mácula original antes de ter-lhe tocado por um só instante”.
Ora, como bem ensina os calvinistas que Deus envia o Espírito Santo para aplicar a Redenção obtida por Cristo, no coração dos eleitos, assim cremos também que “Maria foi resgatada pelos méritos de seu Filho, e do modo mais perfeito, por uma redenção, não libertação do pecado original já contraído, mas uma redenção preservadora. Mesmo na ordem humana, aquele que nos preserva de um golpe mortal é ainda nosso salvador de forma melhor do que se somente nos curasse da ferida feita pelo golpe.”
Parafraseando o ensinamento calvinista podemos inferir que “Deus enviou o Espírito Santo para aplicar a Redenção preservativa obtida por Cristo, no coração da sua Eleita, tornando-a Imaculada em vista desta maternidade divina, preordenando todos os meios conducentes a esse fim. ´
Pode parecer que, como católico, eu esteja me valendo de termos doutrinais, tirando-os de seus contextos para sustentar minha crença. No entanto, não parto de minha própria fé, mas da do próprio Calvino: “Não podemos reconhecer as bênçãos que nos trouxe Jesus, sem reconhecer ao mesmo tempo quão imensamente Deus honrou e enriqueceu Maria, ao escolhê-la para Mãe de Deus.” (Comm. Sur l’Harm. Evang.,20).
Calvino entende a “predestinação” como “predeterminação”. São equivalentes. Dizer que Deus “predestina” é o mesmo que dizer que ele “predetermina” ou “preordena”. Também para o calvinismo “presciência” e “predestinação” são elementos correlatos. Já para a doutrina católica predestinação e predeterminação são diferentes, mas não opostos. Por exemplo: “Deus predestinou todos para a salvação, porém não são todos que serão salvos”, isso significa na doutrina católica que Deus criou todos para serem salvos. Porém ao criar as pessoas com livre-arbítrio, apenas predestinou-as sem predeterminá-las, ainda que alguns o sejam, como por exemplo a própria Mãe de Deus. Ora isso significa que predeterminação é uma condição de imutabilidade. Enquanto que predestinação não significa predeterminação, mas vocação. Todos somos vocacionados a santidade, isto é, todos somos chamados a sermos santos e alcançar a salvação, porém a resposta é nossa. Até aqueles que são predeterminados possuem sua liberdade de resposta. Porém, tendo-os o auxílio da providência divina, isto é, a graça habitual e atual, sempre dirão sim. E Deus por presciência sabe disso!
É exatamente o que ensina Santo Tomás e Aquino na Suma Teológica: “Convém a Deus predestinar os homens. Pois, tudo está sujeito à divina pro­vidência, como estabelecemos. Ora, à providên­cia pertence ordenar as coisas para um fim, conforme dissemos .... Esse fim é a vida eterna, consistente na visão divina, que excede à natureza de toda criatura ... ora, para um ser alcan­çar um fim, a que não pode chegar em virtude da sua natureza, é preciso ser levado por outro, assim como a seta é impelida ao alvo pelo seteiro. Por onde, propriamente falando, a cria­tura racional, capaz da vida eterna, atinge-a, como que levada por Deus. E a razão dessa levada preexiste em Deus, como nele existe a razão da ordem de todas as coisas para o fim, a que chamamos providência. Pois, a razão de uma coisa ser feita, existente na mente do seu autor, é uma certa preexistência, neste da­quela. Por onde, à razão da referida levada da criatura racional para o fim da vida eterna chama-se predestinação; pois, destinar é levar. Portanto, é claro que a predestinação, quanto ao seu objeto faz parte da providência ... a predestina­ção é uma certa razão da ordem de determina­dos seres para a salvação eterna, existente na mente divina. Porém, a execução dessa ordem incumbe aos predestinados, passivamente, e a Deus, ativamente. Pois, a execução da predes­tinação se chama vocação e glorificação, confor­me a Escritura (Rm 8, 30): E aos que predestinou, a estes também chamou; e aos que chamou, a estes também glorificou.” (Summa Theologiae I. q.23. a.1-2).
Calvino formulou a ideia de que Deus predestina uns a Vida Eterna e outros a Morte Eterna. Ou seja, a predestinação na doutrina calvinista é dupla, para a vida e para a morte. Deus tem seus eleitos para a vida e possui do mesmo modo, desde toda eternidade, os reprovados, os condenados à morte.
Para a Igreja Católica Deus não predestina ninguém para a Morte. Mas apenas para a vida. A predestinação na Igreja Católica é universal. Admitindo-se também que exista entre as pessoas aquelas predestinadas e predeterminadas, como no caso de Maria. Ora a predestinação é algo pessoal, ou seja, é a pessoa que é predestinada a um fim, e este fim é a predeterminação. A predeterminação é o decreto de Deus e a predestinação é o chamado apriorístico de Deus. Ambas, portanto, se relacionam, mas não são equivalentes.



Bruno Otenio

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Referências Bibliográficas

GARRIGOU-LAGRANGE, R. A Mãe do Salvador e nossa vida interior. Editora Ecclesiae.

GIRARDEAU, John L. Calvinismo e Arminianismo Evangélico: eleição, reprovação, justificação e doutrinas correlatas. Editora Primícias. 

Institutas - João Calvino

Summa Theologiae - Santo Tomás de Aquino. 

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