Teologia e criação parte 1

Imagem e semelhança de Deus - Parte 1


É muito comum ao lermos o relato do livro de Gênesis quando Deus nos cria a sua imagem e semelhança, tentarmos indagar o que significa exatamente sermos criados a imagem e semelhança de Deus. Pois é o que eu tentarei esclarecer, sem pretensões ambiciosas de encerrar todo o assunto, afinal, tudo que vem de Deus, toda a sua Revelação, continua sendo um mistério ao homem, pois este ainda não possui a capacidade de compreender toda esta Revelação, ou seja, o homem não atingiu o grau maior de sua evolução, que nada mais é do que ser e agir como filhos de Deus, tal qual o próprio Filho Unigênito do Pai, Nosso Senhor Jesus Cristo.
Para iniciar aqui nossa reflexão devemos ir direto ao texto da Sagrada Escritura:
“Deus disse: “Façamos o homem à nossa imagem, como nossa semelhança, e que eles dominem sobre os peixes do mar, as aves do céu, os animais domésticos, todas as feras e todos os répteis que rastejam sobre a terra”. Deus criou o homem à sua imagem, á imagem de Deus ele o criou, homem e mulher ele os criou. Deus os abençoou e lhes disse: “Sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a terra e submetei-a; dominai sobre os peixes do mar, as aves do céu e todos os animais que rastejam sobre a terra”. Deus disse: “Eu vos dou todas as ervas que dão semente, que estão sobre toda a superfície da terra, e todas as árvores que dão frutos que dão semente; isso será vosso alimento. A todas as feras, a todas as aves do céu, a tudo o que rasteja sobre a terra e que é animado de vida, eu dou como alimento toda a verdura das plantas”, e assim se fez. Deus viu que tudo o que tinha feito: e era muito bom.  (Gn 1, 26-31)”.

É belíssima a sensação que temos ou deveríamos ter ao lermos este relato sobre a nossa criação. Pois aqui podemos entrar em contato com o próprio Deus, que pela sua Palavra nos conta sobre a nossa criação à sua imagem e semelhança. Novamente, o que exatamente é esta imagem e semelhança?
Pois bem, nesta pequena perícope podemos ler por quatro vezes o que seria esta semelhança (irei me ater de início somente à semelhança, pois quanto à imagem irei trabalhar a luz do próprio Cristo, imagem do Deus invisível).
Vejamos: O texto utiliza-se de quatro afirmações: “Dominem”, “Submetei-a”, “Dominai”, “Vos dou”. Por estas quatro afirmações de Deus podemos já indagar o que é esta semelhança com Ele: a capacidade de Domínio ou também podemos chamar de dom, de uma graça que Ele nos concede sobre toda a criação. Portanto a primeira semelhança que podemos descobrir através do texto sagrado é esta, a de possuir domínio sobre a criação, tal como Deus mesmo possui sobre a sua criação, sobre toda a criação.
Mas, vejamos, este domínio não significa liberdade para fazer da natureza o que quisermos, como atos desordenados e prejudiciais, pelo contrário, o homem necessita da razão para compreender este domínio, por tanto junto a este múnus, Deus concede ao homem a capacidade racional, intelectiva e também a capacidade de amar, para poder “primeiro” se relacionar com Deus, e relacionando-se com Deus compreender que tudo quanto fora criado por Ele era bom, como Ele mesmo o É. Por isso esta relação com a própria Bondade Infinita levará o homem não a somente dominar a criação, mas a cuidar dela, zelar por ela. Ora o que seriam estas outras qualidades senão formas de nos assemelharmos ao próprio Deus?
Estas semelhanças, por ocasião do pecado, viriam a ser quebradas. Ocorrerá no homem à desordem interior, o desequilíbrio quanto às suas capacidades criadas perfeitas. Esta harmonia entre o homem e a criação foi abalada pelo pecado. A própria relação do homem para com o Criador tornou-se dramática. E tudo devido ao caos interior que o pecado trouxe ao homem. O desequilíbrio religioso, espiritual, psicológico, natural ocorrido no homem foi consequência da tentação acolhida pelo próprio homem.
Tendo, pois a semelhança com Deus desfigurada, o homem desfigurou em si também a própria imagem de Deus. Ora, o homem deixa de ser semelhante a Deus, perfeito, ordenado, sublime, puro e torna-se desfigurado, imperfeito[1], desequilibrado, caído, impuro.
Para entendermos esta questão, devemos entender que o homem não foi criado como as outras criaturas foram criadas. Ele é o único a possuir um “espírito”. E este é o fator principal de sua sublimidade em relação a toda a criação. É o ser humano a criatura que Deus criou para compartilhar seu amor transbordante. Ora por isso mesmo, nós seres humanos possuímos um espírito, um espírito que nos possibilite deleitarmo-nos das delícias espirituais que Deus por infinita misericórdia nos concede experimentar. Toda a criação o Pai criou por amor a nós e nos presenteou com ela, e nós junto à criação Ele criou para seu Filho Unigênito. O que nos leva a entender que o fim último de toda a criação é o próprio Jesus. Mas, de forma delimitada, e olhando para as causas segundas, toda a criação fora feita para nós. Para nosso viver, para nossa sobrevivência que de início não seria dramática e dolorosa, mas equilibrada e harmoniosa. Por isso animais domésticos, que nos serviriam de alegria, ervas e frutos para nosso bem estar, animais de toda espécie para nosso sustento. Tudo como presentes a nós e sob os nossos cuidados.

Continua...



[1] O homem foi criado perfeito, mas esta perfeição não é a mesma perfeição divina. Qualitativamente, a perfeição de Deus é impensável, indescritível, o máximo que conseguimos expressar é a própria palavra perfeição, que por ser uma palavra provinda de um homem, ainda é limitada e pouco se comparado à grandeza, sublimidade de Deus. A perfeição do homem consiste em ser como Deus o pensou. Agir conforme a vontade de Deus, na liberdade de escolher traçar por este caminho. Uma submissão de amor, por amor e para o amor.

Comentários