Imagem e semelhança
de Deus - Parte 3
Uma outra semelhança
para com Deus que podemos também verificar em nós e de forma natural, sem
necessitarmos “necessariamente” da Escritura Sagrada, mas simplesmente
refletindo a partir da Lei Natural, é a nossa capacidade criativa, que está intrinsecamente ligada a razão, a
capacidade racional, intelectiva. Ora, nós possuímos esta capacidade semelhante
ao próprio Criador. Quem nos ensina isso, e de forma fantástica é J.R.R.
Tolkien.
Tolkien nos ensina que
todo ser humano é capaz de criar, mas não enquanto criadores primários, mas, na
condição de subcriadores, pois só podemos criar a partir do que já fora criado.
Portanto para defender esta tese é necessário que me atenha ao argumento dele,
que está limitado a criação de mundos secundários, como por exemplo “os contos de fadas” ou “mundo fantástico”. Vejamos o que o
autor diz:
“Provavelmente
todo escritor que faz um mundo secundário, uma fantasia, todo subcriador,
deseja em certa medida ser um criador de verdade, ou pretende estar se baseando
na realidade: acha que a qualidade peculiar desse mundo secundário (se não todos
os detalhes) seja derivada da Realidade, ou flua para ela [...] A qualidade
peculiar da alegria na Fantasia bem sucedida pode portanto ser explicada como
um repentino vislumbre da realidade ou verdade subjacente. Não é apenas um
‘consolo’ para o pear do mundo, mas uma satisfação, e uma resposta à pergunta:
‘É verdade?’ A resposta que dei inicialmente a essa foi (muito corretamente):
‘Se você construir bem seu pequeno mundo, sim; é verdade nesse mundo’. Isso
basta ao artista (ou à parte artista do artista). Mas na ‘eucatástrofe’
enxergamos numa breve visão que a resposta pode ser maior – pode ser um lampejo
longínquo ou eco do evangelium[1] no
mundo real”[2].
Se existem duas palavras
que podemos retirar deste pequeno trecho são: Lampejo e Eco de certa
forma relacionadas ao Evangelho (evangelium). Podemos dizer que tanto o eco (fenômeno físico que se manifesta
pela repetição de sons ou ação de fazer ecoar um som ou transmissão de ideias
ao longo da história) quanto o lampejo
(Manifestação rápida e brilhante de uma ideia ou até mesmo clarão) podem
significar como atos semelhantes ao próprio Deus, no caso empregado por
Tolkien, ato semelhante ao Evangelho, já que o eco e o lampejo estão empregados
como um gesto de semelhança para com a Boa Nova.
É exatamente o que
Tolkien afirma ao concluir seu ensaio:
“O
Evangelium não ab-rogou as lendas; ele as consagrou, em especial o ‘final
feliz’. O cristão ainda precisa trabalhar, com a mente e com o corpo, sofrer,
ter esperança e morrer; mas agora pode perceber que todas as suas inclinações e
faculdades tem um propósito, que pode ser redimido [...] Todas as histórias
poderão tornar-se verdade; e, no entanto, finalmente redimidas, poderão ser tão
semelhantes e dessemelhantes às formas que lhes damos quanto Homem, finalmente
redimido, será semelhante e dessemelhante ao decaído que conhecemos”[3].
Ora
como lemos neste trecho, Tolkien afirma: “agora
pode perceber que todas as suas inclinações e faculdades tem um propósito”,
pois bem o que seria estas inclinações e faculdades? São exatamente aquilo que
o Pe. Raniero Cantalamessa nos ensinou sobre o caos interior: “o caos dos desejos, dos projetos, dos propósitos,
dos lamentos contraditórios e entre si conflitantes”[4].
O que seria o propósito? C.S. Lewis nos dá a resposta: “Todo cristão deve tornar-se um pequeno Cristo. O ‘propósito’ de se
tornar cristão não é outro senão esse”[5].
Enfim, nisto consiste toda
a nossa fé. Somos realmente imagem e semelhança de Deus, caímos pelo pecado,
mas nos levantamos, nos reerguemos pela Graça, graça esta de sermos filhos de
Deus renascidos por seu Divino Epírito: “Nós
sabemos que todo aquele que nasceu de Deus não peca” (I Jo 5, 18). Somente
olhando para o Cristo e seguindo-o guiados pelo Espírito Santo é que seremos
verdadeiramente restaurados a imagem e semelhança de Deus e conduzidos aos
braços do Pai, o Eterno, o Misericordioso, o Deus Clemente e Compassivo. Assim
seja!
In
Corde Iesu et Mariae
[1] Evangelho.
[2] TOLKIEN, J.R.R. Árvore e Folha. São Paulo: WMF Martins
Fontes, 2013. pg. 68.
[3] Ibidem, pg. 70.
[4]
CANTALAMESSA,
Raniero. Vem, Espírito Criador:
Meditações sobre o Veni Creator. São Paulo: Editora Canção Nova, 2014. pg.
73.
[5] LEWIS, C.S. Cristianismo puro e simples. São Paulo: Martins Fontes, 2005. pg.
235.
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